Nota dos educadores brasileiros sobre o Projeto de Lei 7212 de 2017
A inclusão escolar de pessoas com deficiência está ameaçada neste momento de
graves retrocessos no campo da educação. O projeto de Lei n.º 7212/2017, do
Deputado Sr. Aureo, altera a Lei nº 9.394/1996, a lei de Diretrizes e bases da Educação
Nacional (LDB), para dispor sobre o cargo de “Professor de Apoio Especializado em
Educação Especial”.
O referido projeto retrocede em relação ao direito à inclusão plena assegurado pela
Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – CDPD (ONU, 2006) e pela Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – LBI (Estatuto da Pessoa com
Deficiência, 2015). Ao retomar a expressão “preferencialmente” volta a condicionar o
acesso das pessoas com deficiência ao ensino regular, em desacordo com o art.24 da
CDPD que assegura o direito à educação em um sistema educacional inclusivo em
todos os níveis, em igualdade de condições com as demais pessoas.
Nessa perspectiva, o projeto não reflete uma concepção inclusiva e sim
integracionista, aquela que classifica estudantes que podem ou não ser “integrados”
em classes comuns do ensino regular. Assim, altera a função do atendimento
educacional especializado realizado pela educação especial, definido no âmbito da
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC,
2008), como complementar ou suplementar à escolarização.
O “professor de apoio especializado” proposto nesse PL não corresponde à função do
professor de Atendimento Educacional Especializado (AEE) definido em consonância
com as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado,
modalidade Educação Especial, do Conselho Nacional de Educação (Resolução CNE/CB
Nº 4/2009). O professor do AEE tem função de intermediação com o professor da
classe comum e de atendimento ao estudante em sala de recursos, em período de
tempo diferenciado ao da classe comum. Também, o cargo previsto pelo PL 7212/217
não corresponde às atribuições do profissional de apoio previsto na LBI, definido com
papel de apoio às necessidades específicas de locomoção, higiene, alimentação,
quando requeridas.
O PL 7212/2017 dispõe dentre as atribuições desse professor de atendimento
especializado acompanhar o estudante dentro da classe comum e não mais como
apoio complementar ou suplementar. Essa proposta não é nova, foi debatida e tem
sido apontada, muitas vezes, como prejudicial ao processo de ensino aprendizagem
por criar um ensino apartado dentro da classe comum, o que não contribui para o
desenvolvimento inclusivo da escola e não beneficia o próprio estudante.
Desprezando tais discussões, a proposta não concebe a deficiência como o resultado
da interação com barreiras e volta às prescrições homogêneas, criando impasses para
a organização dos sistemas de ensino a partir de um modelo integracionista e não
inclusivo, conforme determina a Constituição Federal.
A partir de elaborações que desqualificam o processo coletivo de crescente
organização do AEE nos sistemas de ensino, o PL normatiza um tipo de atendimento
desvinculado de uma concepção inclusiva de escola. A forma descontextualizada de
compreender o atendimento educacional especializado e todo o processo pedagógico
conduz a uma generalização que estabelece, com base na deficiência, que os
estudantes público alvo deverão ter outro professor, permanente, dentro da sala de
aula. Importante ressaltar que a atual política prevê a elaboração do Plano de AEE pelo
professor do AEE, que identifica as necessidades das diferenciações de recursos e a
atenção pedagógica específica de cada estudante. O professor do AEE acompanha o
desenvolvimento desse plano e interage com os demais professores na sua execução.
As diferenciações não se transformam em objeto de exclusão, configuram apoio à
consecução da proposta pedagógica.
Outro aspecto importante se refere à definição de estudantes com necessidades
educacionais especiais (NEE) embutidas nesse projeto. Com a retomada dessa
terminologia, o PL inclui as chamadas “dificuldades de aprendizagem” com parte do
público alvo do atendimento especializado. Assim, o PL redefine o público alvo da
educação especial e volta a englobar estudantes que a escola de alguma forma
enfrenta dificuldades de ensinar. Essa é uma proposta que foi fortemente criticado
durante a discussão da política de inclusão escolar e superada nos atuais documentos
educacionais em âmbito nacional e internacional. Historicamente, essa diluição do
público alvo, não atendeu adequadamente estudantes classificados no código
“dificuldade de aprendizagem” ou “condutas típicas”, bem como reforçou o
encaminhamento de pessoas com deficiência e/ou transtornos globais de
desenvolvimento aos espaços segregados.
O PL 7212/2017 se configura em um terrível retrocesso em relação ao compromisso
assumido pelo Brasil ao ratificar a CDPD (2006) com status de emenda constitucional
por meio do Decreto Nº 6949/2009 e que avançou muito na constituição de medidas
de apoio à inclusão, bem como na garantia da não discriminação com base na
deficiência. Trata-se de uma tentativa de revogação da Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva Inclusiva que é consoante com Convenção. Um projeto que
despreza amplo debate da construção da política que envolveu gestores, educadores e
movimentos sociais de defesa dos direitos das pessoas com deficiência, de todo o país.
Destaca-se ainda, que diferentemente do exposto na justificativa do PL 7212/2017, a
educação inclusiva não está apenas no papel e que seus resultados constituem um rico
legado que traduz o compromisso de distintos setores da sociedade. A Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva é uma referência na análise
políticas educacionais públicas no país. A partir da política de inclusão o Brasil
impulsionou o amplo acesso de estudantes com deficiência à educação e assegurou
um expressivo investimento nas redes públicas de ensino para a garantia da
acessibilidade e a constituição de medidas de apoio à inclusão escolar. De 2002 a 2015,
o número de as matrículas de pessoas com deficiência na educação básica duplicou,
passando de 492 mil para 970 mil. O acesso inclusivo evolui de 23% para 81% nesse
período. Um crescimento que foi acompanhado na educação superior, onde as
matrículas multiplicaram de 5 mil em 2003 para 30 mil em 2015.
Tudo isso foi possível com a participação de todos que defendem uma sociedade
inclusiva. Uma sociedade que não existe sem que a escola seja inclusiva. A superação
do modelo segregativo que historicamente separou estudantes com deficiência dos
demais estudantes vem se tornando uma realidade e beneficia a todos os estudantes.
Para tornar essa política uma realidade os programas de apoio do Ministério da
Educação passaram a apoiar a adequação dos prédios escolares para a acessibilidade,
a aquisição de ônibus escolares acessíveis e a implantação das Salas de Recursos
Multifuncionais para a oferta do atendimento educacional especializado (AEE). Além
disso, as instituições federais de educação superior passaram a fazer a ampla oferta de
cursos de aperfeiçoamento e especialização para a organização e oferta do
atendimento educacional especializado e aqueles voltados às demais áreas do
conhecimento que constroem a inclusão escolar.
Outra grande conquista foi o chamado “duplo FUNDEB”. O Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB) instituído em 2007, que substituir o FUNDEF e passou a contemplar todas as
etapas e modalidades da educação básica. Os estudantes da educação especial tiveram
o valor duplicado para garantir uma matrícula na educação regular e outra no
atendimento educacional especializado, complementar ou suplementar à
escolarização.
Sem dúvida, esses avanços da política educacional agora estão ameaçados. Devemos
estar alerta, a desestruturação da política de educação inclusiva está associada ao
desmonte das demais políticas sociais. A Emenda Constitucional 95/2016, congelou os
investimentos públicos durante 20 anos, anulando por duas décadas, o piso
constitucional de impostos e contribuições vinculados à educação e à saúde. Essa é
uma agenda de encolhimento do Estado que destrói as políticas públicas de
democratização da educação em benefício da privatização. Nessa lógica, as pessoas
com deficiência são segregadas nas instituições especializadas e sem a garantia de seus
direitos fundamentais.