Análise de estudo feito pelo Clayton Christensen Institute no Brasil, na Malásia e na África do Sul que teve apoio do Porvir.
O mais novo estudo sobre ensino híbrido do Clayton Christensen Institute mostra que 79,1% dos 110 entrevistados brasileiros apontam o desenvolvimento profissional de alta qualidade para professores como o principal desafio para o uso de tecnologia nas escolas. Conectividade e infraestrutura aparecem em seguida, com 62,7% e 41,8% das citações respectivamente no relatório “Blended Beyond Borders: A scan of blended learning obstacles and opportunities in Brazil, Malaysia, & South Africa”, publicado em inglês.
“Pelas minhas conversas preliminares com os educadores antes do relatório, eu esperava que a conectividade com a internet e/ou a infraestrutura seriam o desafio número um. No entanto, descobrimos que o desenvolvimento profissional dos professores era, de longe, o desafio mais comum”, explica Katrina Bushko, que assina o relatório juntamente com Jenny White e Julia Freeland Fisher. O estudo contou com o apoio do WISE (World Innovation Summit for Education).
De acordo com o relatório, o ensino híbrido pode ser definido como um programa de educação formal em que o aluno aprende, ao menos em parte, em atividades online com algum elemento de controle ao longo do tempo, lugar, curso e/ou ritmo, e pelo menos em parte, em um local físico supervisionado fora de casa. “As modalidades ao longo da aprendizagem de cada aluno são conectadas para fornecer uma experiência integrada, o que pode significar o uso de dados da aprendizagem online para informar ou dirigir a aprendizagem offline do aluno”, afirma o texto.
O levantamento traz uma série de esforços das escolas de ensino básico para implementar a educação tecnológica, mas se concentra principalmente, segundo as pesquisadoras, em um uso específico: “analisar se e como uma amostra de escolas físicas de três países usa a aprendizagem online para entregar conteúdo de maneiras novas e mais flexíveis”.
Com ajuda de parceiros no Brasil, Malásia e África do Sul, incluindo o Porvir, o instituto – que estuda o potencial disruptivo da aprendizagem online, principalmente do ensino híbrido, há mais de oito anos nos Estados Unidos – distribuiu sua pesquisa online em amostras de escolas. Depois, analisou e compartilhou dados de 110 entrevistados do Brasil, 119 da Malásia e 34 da África do Sul, junto com 13 a 15 casos de modelos escolares específicos.
“Nós nos interessamos em estudar o ensino híbrido no Brasil, Malásia e África do Sul porque esta seria uma oportunidade de entender como este tipo de aprendizagem pode aparecer em diferentes ambientes. Nossa pesquisa anterior sobre o tema foi moldada principalmente por um contexto americano (política educacional, um sistema de educação descentralizado, cultura, etc), por isso estávamos curiosos para ver como modelos de ensino inovadores podem aparecer em diferentes contextos”, diz Katrina.
As pesquisadoras já sabiam dos esforços dos três países sobre o assunto. “Eu, pessoalmente, conhecia muitos educadores e organizações brasileiras interessadas em usar a tecnologia para melhorar o ensino, por isso queríamos saber exatamente que abordagens eram estas. Na mesma linha, estabelecemos parcerias com organizações nestes três países, o que provou ser uma forma crucial para coletar respostas para a parte quantitativa do estudo. Também queríamos estudar um conjunto diversificado de países e sabíamos que eles tinham diferentes sistemas educacionais, diferentes desafios e diferentes prioridades”, explica Katrina.
Ensino híbrido no Brasil
No Brasil, entre as 110 participantes, 50% eram escolas particulares, 24,5% eram estaduais e 24,5%, municipais, distribuídas por 19 Estados. Entre os responsáveis pelas respostas, 72% eram professores, 23% coordenadores, 12% diretores e 14% outros. Os hardwares mais usados, segundo o estudo, eram celulares e smartphones, com 94,9% das citações, desktops com Windows, com 28,2%, laptops com Windows, 17,3%, e tablets: iPads, 10,1%.
Entre os softwares mais citados estão produtos do Google, com 26,5% de respostas, e Khan Academy, 14,5%. Em seguida, vieram sites específicos das redes de ensino, YouTube, Microsoft e Code.org. De acordo com o levantamento, 58,2% dos entrevistados respondeu que os alunos passam de 0 a 25% da semana em aprendizagem online; 29,1% disseram que a porcentagem vai de 26% a 50%; 8,2% afirmaram que é de 51% a 75%; e 4,5% disseram que os estudantes passam de 76% a 100% do tempo online.
A maioria, 79%, disse que a aprendizagem online está conectada com as atividades offline, segundo a pesquisa. “No entanto, nosso estudo adicional, de casos específicos de escolas, revelou que pouco mais da metade das escolas que diziam que estavam integrando a tecnologia estavam, de fato, implementando modelos de ensino híbrido, enquanto o restante era apenas rico em tecnologia (ou seja, a tecnologia estava presente, mas o conteúdo não estava sendo desenvolvido online)”, afirma o relatório.
Quase um quarto dos entrevistados afirmou
que não conecta aprendizado online e offline
Apesar de dizerem que a aprendizagem online ocorre na maioria das escolas, apenas 57% dos entrevistados afirmou que os alunos realmente se engajam neste tipo de aprendizado em uma semana típica de aulas. As respostas dos professores também mostram que eles são mais propensos a usar a tecnologia como um suplemento ao ensino tradicional, já que mais de 70% relataram manter aulas expositivas conduzidas pelo educador em seu modelo de aulas. “Quase um quarto dos entrevistados afirmou que não conecta aprendizado online e offline, além disso, um quarto também disse que não coleta dados da tecnologia que usa”, completa o relatório.
O estudo mostra ainda que a aprendizagem online ocorre tanto em laboratórios de informática na escola, com 64% das respostas, como em casa, 58%. Segundo o relatório, a hipótese para isso é o baixo número de horas que os estudantes passam na escola. A aprendizagem online está bem distribuída entre as séries escolares e as principais disciplinas, como matemática, português, geografia e história, de acordo com o levantamento.
Dos entrevistados, 72% disseram que o uso da tecnologia melhorava o aprendizado emocional e social dos alunos e 79%, que os estudantes tinham um maior envolvimento durante a atividade. Do total, 49% afirmaram que a tecnologia tinha produzido os resultados esperados e 46% disseram que era muito cedo para responder. “Este dado sugere que muitas escolas não estão usando medidas para avaliar a eficácia (ou falta dela) de sua integração tecnológica durante o uso”, afirma o relatório.
Recomendações sobre ensino híbrido
Após analisarem os resultados, as pesquisadoras fizeram cinco recomendações para aumentar a eficácia dos modelos de ensino híbrido nas escolas brasileiras. As instituições devem:
– certificar-se de que os dados produzidos na aprendizagem online baseada no laboratório de informática ou em casa se integrem na volta à sala de aula
– projetar os modelos de aprendizagem tendo as restrições de infraestrutura em mente
– fornecer desenvolvimento profissional com foco no ensino, não apenas na tecnologia
– garantir que as métricas certas forneçam informações úteis para os resultados de aprendizagem
– aproveitar áreas ou disciplinas não essenciais para experimentar novas tecnologias ou modelos de ensino híbrido.
Ensino híbrido em outros países
Na Malásia, de acordo com Katrina, o Laboratório Rotacional (Lab Rotation, em inglês), que permite que os alunos troquem de estações em um horário fixo, é a forma mais comum de ensino híbrido devido à iniciativa do governo de equipar todas as escolas públicas com um laboratório de informática.
“No entanto, fiquei agradavelmente surpresa de descobrir que professores e gestores estavam inovando em torno disso e combinando o tempo de seus laboratórios de informática com outros modelos, como o Station Rotation (Rotação por Estação, que permite que os estudantes troquem de estações em um horário fixo, em que ao menos uma das estações é de aprendizagem online) ou o Flipped Classroom (Sala de Aula Invertida, em que os estudantes aprendem em casa em cursos e aulas online e os professores usam o tempo de aula para práticas ou projetos orientados)”, conta Katrina.
Na África do Sul, a pesquisa foi distribuída para uma lista de escolas que o Departamento de Educação Básica apontou como tendo conectividade com a internet. “Ficamos surpresos, porém, que, destas escolas, um número significativo (41%) informou que não estava usando nenhum tipo de aprendizagem online. Portanto, mesmo que uma escola tenha capacidade tecnológica, a aprendizagem online não ocorre necessariamente”, diz Katrina.
Conclusões do estudo
As pesquisadoras deixam claro que não pretendem comparar diretamente os conjuntos de dados dos três países, mas, sim, fornecer informações sobre algumas possibilidades tecnológicas e desafios de cada um e de cada amostra de escolas e educadores alcançados. Mesmo assim, o estudo mostra que há três temas comuns aos países.
O primeiro deles, aponta o relatório, é a necessidade de distinguir claramente entre modelos de riqueza tecnológica e modelos de ensino híbrido. Em segundo lugar, é saber que as métricas que direcionam a integração tecnológica precisam ir além do acesso ou do uso da tecnologia para medir os resultados de aprendizagem que os esforços de integração visam produzir. Por último, ter claro que a infraestrutura e o capital humano são alguns dos maiores desafios para implementar a tecnologia em geral e, em particular, o ensino híbrido.
Katrina alerta que as escolas compram, com frequência, hardwares e softwares sem ter um planejamento claro sobre como irão usar estas tecnologias para buscar uma nova abordagem para o ensino. “Nossa pesquisa fornece um primeiro passo para avaliar se e como as escolas estão usando a aprendizagem online. Por isso, não defendemos apenas o uso da tecnologia nas escolas, mas esperamos que este estudo mostre como a tecnologia pode ajudar a mudar o ensino para direcionar os resultados dos estudantes. O ensino híbrido pode personalizar o aprendizado dos alunos em escala, e os perfis no final do relatório são ótimos exemplos das várias maneiras que as escolas estão fazendo isso”, afirma a pesquisadora.
O ensino híbrido pode personalizar
o aprendizado dos alunos em escala
Escolas participantes
As escolas brasileiras escolhidas para os estudos de caso da pesquisa foram o Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, o Colégio Loyola, em Belo Horizonte, o Colégio Pastor Dohms, em Porto Alegre, o Colégio Soter, em São Paulo, o Colégio Vinícius de Moraes, em São Luís, a Escola Projeto/Lápis de Cor, em Curitiba, a Escola Projeto Vida, em São Paulo e a Escola Municipal Emílio Carlos, no Rio de Janeiro.
O blog dedicado ao relatório, que acaba de ser lançado, discute, em português, o que leva as escolas brasileiras a implementar o ensino híbrido. Traz ainda alguns exemplos dos modelos usados nas escolas citadas.