O Direito das Pessoas com Deficiência: Sociedade e Inclusão Educacional

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Artigo retirado do site www.montessoriano.com.br.


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Revista Pluriversitário, Salvador, Ano I, Vol. I, 2017 – Ensaio

O Direito das Pessoas com Deficiência: Sociedade e Inclusão Educacional

Sidenise Estrelado Sousa [1]

Introdução

Este ensaio é fruto da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia – UNEB e tem o propósito de analisar a participação das pessoas com deficiência na busca por garantia de direitos educacionais, por meio das demandas processuais identificadas no Ministério Público do Estado da Bahia – MP/BA (2013), além de descrever as estratégias individual e coletiva em defesa dos direitos das pessoas com deficiência intelectual pela inclusão educacional nos encaminhamentos dos processos no município de Salvador (BA).

Identificar características das mobilizações civis em defesa dos direitos da pessoa com deficiência é contribuir para o entendimento do perfil das ações históricas realizadas ou propostas por meio de articulações nos diversos espaços sociais. As organizações civis, em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, apregoam o respeito e convivência com a diferença, o que nos leva a pensar sobre quais as lógicas existentes ou impostas em um projeto de sociedade, no qual se evidenciam sujeitos incluídos segundo percepções, muitas vezes, unilaterais sobre deficiência-diferença.

Tomando por referência as experiências vividas nos espaços educativos, inicialmente no ensino regular e, posteriormente, na escola especial, tive condições de perceber e constatar práticas sociais e educacionais pouco adequadas à promoção de um processo de ensino com e para estudantes em situação de deficiência, capaz de respeitar os estilos de aprendizagem, bem como as especificidades e identidade desse público, cuja história vem sendo rememorada, dando destaque para as ações reivindicatórias por direitos sociais desde a década de 70, conforme registros historiográficos do Memorial da Inclusão, apesar do cenário de invisibilidade deste movimento social.

O interesse pelo movimento social das pessoas com deficiência e o processo de inclusão escolar decorreram a princípio das atividades realizadas por mim em pesquisas e contato direto com familiares de pessoas com deficiência, consolidando-se com a participação em um grupo de trabalho da Secretaria de Educação – SEC. Os trabalhos propostos e realizados estavam articulados com a Coordenação da Educação Especial – CEE da SEC e Centros de Apoio Pedagógico – CAP nas áreas de deficiência visual, surdez, déficit intelectual e com um núcleo de atendimento em altas habilidades e superdotação. No período de 2009 a 2012 pude colaborar com um intenso trabalho coletivo sistematizado em diversos municípios da Bahia, envolvendo educadores, gestores, coordenadores e funcionários, tornando-se uma experiência fundamental para a ampliação de minha capacidade crítica e discursiva acerca do caráter inclusivo da Educação.

Além disso, procurei entender as práticas sociais e educacionais que afetam, de maneira direta, essas pessoas e seus entes e se materializam nos variados lugares que ocupam ou tentam ocupar. Numa aproximação com pesquisas dedicadas ao movimento social das pessoas com deficiência e inclusão, verificou-se o silêncio veemente nos trabalhos acadêmicos publicados nas reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED, como mostra o mapeamento realizado por Silva et. al. (2012). Os dados coletados indicam um objeto de estudo pouco desenvolvido na academia. Para as autoras, as discussões giram em torno de formas de funcionamento e até aspirações sociais mais amplas da sociedade, abarcando singularidades operacionais em defesa de determinada categoria, mas pouco se sabe do movimento social das pessoas com deficiência.

A pouca ocorrência de pesquisas sobre movimentos sociais envolvendo pessoas com deficiência demonstra, portanto, o cenário de invisibilidade social que as envolve, o que requer uma reflexão em torno da existência de uma vasta legislação protecionista, que não assegura sequer os direitos nela preconizados. (SILVA, SOUZA e SOUSA, 2013, p.260).

A participação social está cada vez mais na ordem do dia, embora com marcos diversos determinados pelo contexto sociopolítico. Como afirma Bordenave (1994, p. 12), a favor dela estão os que apostam numa efetiva democracia e também os setores mais tradicionais “não muito favoráveis aos avanços das forças populares”. Nessa tensão, se escreve a história dos movimentos sociais, seus marcos e evoluções.

Nesse sentido, já podemos constatar que a estrutura social exerce grande influência nos procedimentos de participação. Numa sociedade que reflete um sistema de interesses, marcado pelas relações de poder assimétricas, a participação se evidenciará como uma necessidade para assegurar direitos e ideias. Daí o surgimento de movimentos organizados que buscam resolver questões coletivas, seja em torno de uma ideia, projeto, direito ou processo político. Contudo, esse não é um contexto sem conflitos e tensões, aspecto que tem encaminhado em muitas instâncias, a defesa dos direitos de cidadania pelo Ministério Público, sobretudo para populações vulneráveis.

Nesse sentido, questiono: como se apresentam as demandas processuais mais recorrentes em relação aos direitos das pessoas com deficiência?

Responder essa indagação exigiu um rastreamento para a identificação e classificação dos dados documentais em relação às necessidades sociais e reivindicações das pessoas com deficiência ou suas representações. Assim, mostrou-se importante a coleta dos dados referente à participação da sociedade civil e dos movimentos sociais da pessoa com deficiência nos processos encontrados, pressupondo a relação existente com as dimensões política, social.

Para isso, foi selecionado um processo envolvendo uma mãe que precisou recorrer ao MP/BA para assegurar o cumprimento legal por parte das escolas comuns do município de Salvador: o direito das pessoas com deficiência à educação. Dessa forma, este ensaio terá como enfoque o ano de 2008, por ser o de implantação da Política Nacional da Educação Especial numa Perspectiva Inclusiva, 2008, que permitiu ampla discussão sobre as práticas sociais e educacionais consideradas segregacionistas, discriminatórias, separatistas e simplistas nos espaços políticos e sociais de modo geral, favorecendo um redimensionamento das ações e debates conceituais no campo da educação inclusiva e constituindo um amparo legal para as reivindicações por escolarização de potenciais estudantes com deficiência em espaços educacionais comuns.

Assim, após cinco anos da implantação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva, que estabelece uma educação de qualidade para todos os estudantes, independente de uma deficiência, uma mãe de uma estudante com Síndrome de Down, no município de Salvador, teve a matrícula negada por diversas escolas comuns o que gerou a abertura de uma ação civil pública, no Ministério Público da Bahia.

 

Breve discussão sobre Sociedade e Inclusão Educacional

No campo das Ciências Sociais, o termo “sociedade” tem diversos significados e, muitas vezes, tal diversidade compreende outras nuances contextuais. É possível perceber que tal conceito está pautado historicamente no campo das ideias políticas, a depender das correntes teóricas pesquisadas.

A palavra sociedade é carregada de significados e representações, porém no seu uso mais comum e lato refere-se às relações sociais entre os seres humanos. O conceito de sociedade, para Horkheimer e Adorno (1973, p. 26), está pautado mais nas relações existentes entre os sujeitos e as “leis subjacentes nessas relações do que propriamente, os elementos e suas descrições comuns”. Ou seja, a sociedade é percebida pelos autores na perspectiva da tensão envolvendo indivíduos e instituições, a unidade do geral e do particular que resulta em experiências de vida. Essa abordagem distancia-se da compreensão de sociedade como uma entidade orgânica que naturaliza os processos funcionais e que não admite o conflito e a contradição.

Como se podem pensar as relações entre sociedade e Estado na contemporaneidade? Numa relação de interdependência entre sociedade e indivíduo, o ideal seria uma sociedade emancipada e esclarecida, pois é fundamental ter em vista que a construção de um sujeito racional e livre é condição determinante de possibilidade para uma sociedade democrática. Implica pensar nas condições sociais experimentadas e nos papéis desempenhados na relação entre seus semelhantes. (HORKHEIMER; ADORNO, 1973).

Segundo Crochík (2011) no século XIX, os conceitos de sociedade civil e de Estado foram submetidos à intensa crítica por Marx e Engels, (1984) que, em seus escritos, revelam as razões históricas da gênese do Estado e tecem uma análise do Estado burguês e capitalista, demonstrando como o Estado corresponde à necessidade de classes sociais dominantes para garantir a preponderância. Para Max e Engels não existe distinção entre Estado e sociedade, ocorrendo justamente o oposto: o Estado resulta da relação entre classes sociais encontrando sua razão de ser nesta relação.

Situando a discussão na Bahia, Teixeira (2008) após citar algumas iniciativas importantes tomadas pela Sociedade Civil, por meio de ONG e outras associações, adverte para o controle exercido pelo Governo sobre estas, bem como da dependência das políticas locais quando se tratam de consórcios, observando que tendo as prefeituras como membros, deve-se considerar que os prefeitos guardam interesses próprios, e nem sempre estão dispostos a se submeter a decisões coletivas. Por essa razão, Teixeira (2008, p. 50), pontua: “O fortalecimento da sociedade civil e sua autonomia vai depender da articulação das organizações e da proposição de alternativas viáveis de desenvolvimento, além das possibilidades de controle social que possam vir a exercer, influindo, inclusive, nas decisões de aplicação de recursos”.

Sobre o paradigma inclusão, iniciado na década de 90, podemos  entender que se fundamenta numa lógica filosófica que identifica a diversidade na experiência de vida em sociedade. Isso, infelizmente, não significa a garantia de igualdade e oportunidades a todos, independentemente das singularidades de cada indivíduo. “Para que a igualdade seja real, entretanto, ela há que ser relativa – dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais”. (ARANHA, 2000, p.2).

Desse modo, cabe à sociedade excluir qualquer barreira capaz de impedir o acesso aos serviços, informações e bens essenciais à vida pessoal, social e educacional das pessoas que expressam diferença de qualquer natureza. Essas ideias permitem considerar que “A sociedade é um sistema produzido pelos homens, que ganha autonomia e ascendência sobre eles” (CROCHÍK, 2011, p.93). Nesse sentido, a perspectiva de vida social, garantia de direitos civis, sociais, econômicos, políticos, a busca por justiça pode ser considerada um exemplo de cidadania que envolve a inclusão de cidadãos com deficiência.

 

O direito da pessoa com deficiência à educação

Inicialmente vale salientar um dos princípios previstos na Constituição Brasileira de 1988, para demonstrar que as pessoas com deficiência são consideradas sujeitos de direitos podendo exercê-los sem qualquer forma de preconceito e/ou discriminação. Nos títulos que tratam dos direitos e garantias fundamentais, dos direitos e deveres individuais e coletivos, além do capítulo 225, que trata do meio ambiente, se tem a dimensão dessa discussão para esse estudo. No Art. 5 destaca-se: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988). Cabe ressalvar, que a expressão Direitos Humanos tem sido utilizada como direitos essenciais e/ou elementares do homem. Assim, para além dessa discussão, sem o respeito à dignidade humana, uma sociedade não encontrará, como se supõe, condições básicas para a evolução e desenvolvimento. Assim:

A expressão “direitos humanos” é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida. Todos os seres humanos devem ter asseguradas, desde o nascimento, as condições mínimas necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como também devem ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. (DALLARI, 1998, p.7).

Assim, para que a evolução ocorra, a prática dos Direitos Humanos já deveria ser incorporada à vida política e aos valores do povo, pois, conforme o autor, “direitos correspondem a necessidades essenciais da pessoa humana”. Infelizmente, nos dias atuais, tais direitos ainda precisam estar especificados em leis, decretos, resoluções para serem exigidos, conquistados, reconhecidos, protegidos e/ou promovidos.

No tocante à educação da pessoa com deficiência, a Constituição Federal (1988) reafirma que “A educação é direito de todos”. Nessa perspectiva, a educação está baseada na aceitação das diferenças e na valorização do indivíduo, independentemente das condições físicas e/ou psíquicas. Porém, não é incorreto afirmar que as pessoas com deficiência, neste século, ainda são continuamente privadas do acesso à educação comum e de oportunidades da vida escolar, embora as matrículas estejam aumentando na rede regular de ensino, como aponta o Censo da Educação Básica, realizado pelo INEP em 2012.

Com frequência, estudantes com deficiência têm, muitas vezes, seus direitos sonegados, mesmo os garantidos por lei, para frequentar espaços educacionais em condições de igualdade com colegas sem deficiência. Assim, “é necessário e justo que os recursos da sociedade sejam utilizados para estender a todos, de modo igual, o direito à educação” (DALLARI, 1988, p. 51).

Nesse sentido, compreende-se o quanto é urgente a aquisição de conhecimentos relevantes na área de deficiência e direitos humanos por parte da sociedade e, principalmente, da comunidade escolar, pois tais direitos têm sido insistentemente violados em muitas escolas brasileiras, incluindo as de Salvador (BA).

Na Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência – LBI), destinada a assegurar o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais além de propor ações que asseguram os direitos à educação das pessoas com deficiência, o princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em garantir:

Sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (BRASIL,  2015).

Ou seja, os espaços educacionais e suas comunidades devem celebrar a diversidade humana em todos os ambientes. Nesse sentido, a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2008) parece não ter sido suficiente para impulsionar mudanças necessárias, veiculadas aos direitos à educação das pessoas com deficiência. Por esse motivo, talvez, a sociedade civil brasileira presencie a aprovação de leis que ratificam esta convenção e garantam os direitos de crianças e jovens com deficiência. Deste modo, o direito na perspectiva de uma sociedade democrática não deve ser desrespeitado, negligenciado, nem violado, ao contrário, deve ser protegido, conscientizado e socializado, sobretudo o direito à educação indispensável a todas as pessoas.

A questão da deficiência nem sempre foi tratada no mundo como nos dias atuais. Somente no final do século XIX a forma de ver a pessoa com deficiência começou a mudar: os trabalhos de Freud mostraram que todos têm limitações e a Biologia trouxe conclusões similares, afirmando que todos têm necessidades e deficiências, apesar de algumas serem mais visíveis. Este século também foi marcado pelo trabalho de vários autores empenhados em sistematizar experimentos sobre uma educação para as pessoas até então excluídas da sociedade, caso dos estudos de Itard, datados de 1801. Itard apresentou o primeiro programa sistemático de Educação Especial em 1800, ao criar uma metodologia utilizada com Victor, conhecido como o Garoto Selvagem de Aveyron[2].

Nesse contexto, surgiu o profissional em pedagogia no campo de estudos sobre a Deficiência Intelectual-DI, até então envolvido apenas na educação escolar da criança sem deficiência. Apesar dos trabalhos supracitados, a ação dos pedagogos não foi a de prevenir nem tratar as pessoas com deficiência intelectual, limitando-se a desenvolver atividades pedagógicas repetitivas. Sob tal perspectiva, o conhecimento médico se ampliou na direção dos estudos da deficiência, possibilitando novas formas de pensar a educação dessas pessoas.

A Constituição de 1988, presumindo o início do processo de democratização da educação brasileira, anunciou a educação como direito de todos e estabeleceu o Atendimento Educacional Especializado-AEE às pessoas com deficiência, determinando sua ocorrência, preferencialmente, na escola regular. No ano seguinte, a Lei Federal 7.853/89 instituiu a tutela jurisdicional de interesses coletivos das pessoas com deficiência e definiu como crime punível, com reclusão de um a quatro anos e multa para os dirigentes de ensino público ou particular que recusassem e suspendessem, sem justa causa, a matrícula de um aluno. Em 1990, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, reiterando os direitos garantidos na Constituição referentes ao AEE para pessoas com deficiência na rede regular de ensino.

Na década de 90, como já discutido nesse capítulo, dirigentes de mais de 80 países, inclusive do Brasil, se reuniram na Espanha, e assinaram a Declaração de Salamanca, um dos mais relevantes documentos de compromisso de garantia de direitos educacionais.

No ano de 1994, finalmente, foi publicada a Política Nacional de Educação Especial, com o propósito de orientar, em linhas gerais, o processo de integração nas escolas brasileiras. O documento condicionou o acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que “possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (BRASIL, 1994, p.19). Essa política, assentada na concepção integracionista, condicionava o acesso às classes comuns do ensino regular somente àqueles estudantes considerados adaptados às condições e ritmo de aprendizagem da turma que seria inserido.

O percurso da educação especial brasileira e a maneira como vem se configurando em âmbito nacional pouco avança na lógica de uma educação para todas as pessoas. Trilha, assim, longo caminho referente a uma nova concepção de deficiência, rumo à elaboração de políticas orientadas à garantia da escolarização dessas pessoas fora dos espaços de ensino comum.

Em 1996, a LDBEN n° 9394, em seu artigo 58, diferentemente da Política de Educação Especial, determinou que a educação especial deveria ser oferecida “preferencialmente” na rede regular de ensino. O aluno com necessidades especiais deve estar incluído, havendo disponibilidade de serviços de apoio especializado na escola regular para atender às suas particularidades. O atendimento educacional deve ser feito em classes especializadas, sempre levando em consideração condições peculiares do aluno, quando não for possível sua integração nas classes comuns do ensino regular.

No artigo 4º, inciso III da LDBEN (1996), fica determinado, dentre outras coisas, que “o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1996). No que tange à formação dos educadores para o atendimento especializado, a referida lei menciona, no inciso III do artigo 59, a formação adequada dos professores que atuam com estudantes com deficiência.

Vislumbra-se, também, um serviço de apoio especializado, de caráter facultativo, já que a lei deixa claro sua oferta quando necessária. Verifica-se, no texto da referida lei, a falta de uniformidade quanto aos termos utilizados para definir o atendimento oferecido ao estudante. Esses termos aparecem de maneiras diferenciadas: “atendimento educacional especializado”, “atendimento especializado”, “serviços de apoio especializado” e “serviços especializados”, contudo, parecem atribuir o mesmo significado para o serviço ofertado.

Em 11 de setembro de 2001, o MEC publicou as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, através da Resolução CNE/CEB nº 2/2001 com o intuito de normatizar e orientar a educação básica a respeito da inclusão. Embora amplie a concepção de educação especial, tratando-a como modalidade que perpassa todos os níveis de ensino, no que diz respeito à realização do AEE complementar e suplementar a escolarização, esse documento não cumpre seu papel ao deixar de detalhar os processos de identificação do público da educação especial; o processo de avaliação; a permanência; e terminalidade nos serviços disponibilizados.

Diante desses aspectos, as instituições especializadas foram fortalecidas mais uma vez. Consequentemente, o número de matrículas aumentou nos anos seguintes, de acordo com dados do INEP referente aos anos de 2011 a 2013. Contudo, após essa Resolução, a educação especial pôde ser mais bem definida e a prática da educação inclusiva foi sendo mais bem concebida.

A educação inclusiva, como um movimento mundial, tem em suas propostas a mudança de paradigma, ou seja, a pessoa com deficiência deve se adaptar ao espaço escolar para que a logística desse espaço esteja preparada para receber todos os estudantes, independentemente de ter ou não alguma deficiência ou limitações. Propõe a reestruturação do sistema escolar em seus diferentes aspectos: conceituais, arquitetônicos, curriculares.

As políticas governamentais e as práticas pedagógicas nas escolas brasileiras ainda estão trilhando possibilidades de ensinar e aprender uma abordagem pedagógica efetiva capaz de contemplar os estudantes com deficiência intelectual e também as inovações sugeridas à educação inclusiva. Para esses estudantes, parece que a escolarização ainda está sendo regida pelo paradigma da integração.

A inclusão escolar refere-se ao processo de inserção de estudantes com deficiência em classes comuns. Isto significa acolher, dentre a diversidade que constitui esse universo. Estudos têm mostrado que crianças, jovens e até mesmo adultos com necessidades educacionais especiais, incluídos no ensino regular, têm melhor desempenho social e acadêmico, quando comparados aos que só recebem educação especial. Destaca-se a importância da articulação da educação especial com a educação regular (STRULLY;STRULLY, 1999), pois o sucesso desse processo tende a relacionar-se com diversos fatores, como as condições ambientais oferecidas, formação dos professores e investimentos pedagógicos.

Ao compreender que uma das principais razões da inclusão é a de demonstrar como todas as pessoas são membros igualmente importantes em uma sociedade e a diversidade e a diferença enriquecem a educação escolar, torna-se possível promover novas formas de aprendizagens a todas as pessoas.

 

Considerações Finais

As reflexões em torno desse texto deram destaque às sutilezas das diferentes formas de atuação individual e/ou coletiva da sociedade civil referente aos direitos educacionais das pessoas com deficiência. Entretanto, embora sejam condições essenciais, algumas atitudes e comportamentos favoráveis à inclusão, no âmbito dos espaços educacionais, não garantem a construção de uma sociedade, de fato, inclusiva.

Quanto à discussão sobre sociedade, pode-se afirmar que é necessário o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação individual e coletiva para fomentar o potencial social e político de toda a sociedade. É importante promover o debate sobre as variadas formas de articulações empreendidas pelas pessoas com deficiência e por quem as representam no cenário soteropolitano, com o propósito de mudanças assertivas na busca por assegurar a igualdade de direitos, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais.

No que diz respeito à inclusão educacional, fica a sensação de impotência e inquietação como cidadã e pesquisadora diante dos enfretamentos que ainda neste século, as pessoas com deficiência tem experimentado.

Os educadores, gestores, funcionários, enfim, toda a comunidade escolar e entorno, necessitam de suporte humano, técnico, pedagógico e financeiro para desenvolver ações adequadas em ambientes educacionais inclusivos, tais como: materiais e instrumentos adequados em todas as especificidades das pessoas com deficiência e apoio de profissional especializado, sobretudo, do compromisso dos gestores para lidar com situações que requeiram medidas contínuas como formação permanente, orientação específica, ampliação no tempo pedagógico, flexibilização do processo de avaliação.

É necessário consolidar uma prática social inclusiva que estimule toda a comunidade escolar, incluindo os (as) estudantes e suas famílias, a rever valores, crenças, atitudes e comportamentos em relação aos direitos ao ensino e aprendizagem, sobretudo, consolidar uma cultura inclusiva em todos os espaços educacionais e comunidades em geral.

NOTAS

[1] Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pedagoga, Psicopedagoga e pós-graduada em Deficiência Mental, Coordena o curso de Pedagogia da Faculdade Montessoriano, é professora de AEE – Atendimento Educacional Especializado no Centro de Educação Especial da Bahia – CEEBA. Consultora da FTD- Educação. E-mail: sidenise@hotmail.com

[2] Jean Marc Gaspar Itard, médico e psiquiatra alienista francês (1774-1838).

REFERÊNCIAS

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