“Acolher as Diferenças” – A Legitimação dos Direitos Humanos Através das Histórias Infantis

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Artigo retirado do site www.montessoriano.com.br.


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Revista Pluriversitário, Salvador, Ano I, Vol. I, 2017 – Relato de Experiência

“Acolher As Diferenças” – A Legitimação Dos Direitos Humanos Através Das Histórias Infantis

Izabela Resende Bahia[1]

Kelly Oliveira de Jesus[2]

Renata Cardoso Silva[3]

RESUMO: O presente projeto constitui-se de um relato de experiência vivenciado no curso de extensão em Educação em Direitos Humanos, promovido pela UNEB e aplicado na instituição Ana Lima, no ano de 2016, intitulado “Acolher as diferenças” – A legitimação dos direitos humanos através das histórias infantis. Pauta-se numa intervenção participativa comunitária e na valorização da educação cidadã, através dos direitos humanos.

Palavras-chave: Cidadania. ECA. Direitos Humanos. Educação.

ABSTRACT: This article is made up of an experience report on the extension course in Human Rights Education promoted by the UNEB and applied at the Ana Lima institution in 2016, entitled “Receiving the differences” – The legitimation of human rights Through children’s stories. It is based on a participatory community intervention and the valorization of citizen education through human rights.

Keywords: Citizenship. ECA. Human Rights. Diversity. Education.

1. INTRODUÇÃO

O presente relatoAcolher as Diferenças” – A legitimação dos direitos humanos através das histórias infantis é o resultado de uma intervenção comunitária nos meses de setembro a novembro de 2016, na Fundação Ana Lima (HAPVIDA), Unidade da Boca do Rio, na Rua Dom Eugênio Sales, nº 50, Boca do Rio, Salvador –BA, a um grupo de vinte crianças nas faixas etárias de seis a nove anos de idade. A proposta interventiva visa oportunizar as crianças um momento prazeroso de conhecimento e diversão, contemplando objetivos que possibilitem criar um ambiente de troca e aproximação de saberes, disseminar o respeito, a diversidade e a cidadania; Incentivar através da roda de conversa um ambiente de troca e aproximação de saberes; Reconhecer o outro como sujeito de direitos em suas diferenças por meio de dinâmicas de inclusão; Estimular a criatividade e a decodificação dos elementos linguísticos em oficinas de arte.

Profissionais da área educacional apontam que, na atual conjuntura, as valorizações desses direitos estão sendo dissipados pelo contexto ao qual estão inseridos, em alguns casos, vivenciam violações de forma direta ou indiretamente e tendem a incorporar e reproduzir questões como indiferença, desrespeito, violência, discriminação dentre outros que comprometem a construção da identidade, a socialização, a interação e o aprendizado já que são o reflexo do círculo social em que vivencia.

Conforme Pires (2000), a inserção da literatura infantil como estratégias aplicadas desde as series iniciais busca promover a criatividade e o processo de desenvolvimento artístico da criança. A aplicabilidade dessa ferramenta literária, nesta fase de desenvolvimento da criança, é muito significativa, pois envolve emoções e sentimentos que ajudam ao cultivo do gosto pela leitura como forma de diversão e lazer.

A problemática norteadora para produção dessa pesquisa foi a intrigante questão de como promover uma unicidade dos contos infantis com temas relacionados a direitos humanos nas crianças do Projeto Ilhas da Fundação Ana Lima. Para tal, foi necessário reunir um arcabouço teórico que embasasse as temáticas como cidadania, educação, relações étnico-raciais, respeito a pluralidade e a diversidade. A metodologia empregada envolve: contação de histórias; Rodas de conversas; Dinâmicas e Oficina de arte.

A equipe co-criadora e coordenadora do projeto é composta por três técnicas com as seguintes formações acadêmicas: uma filósofa e duas assistentes sociais.  A Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em parceria com o Núcleo de Gestão, Educação e Direitos Humanos (GEDH); Observatório da Educação (Obeduc); CriaAtivos – criando um novo mundo; Fundação Ana Lima, foram os facilitadores para a concretização das intervenções.

Em suma, o relato desta experiência pretende apresentar como o contato com histórias infantis pode encantar e contribuir para a promoção e desenvolvimento da criança através da educação em direitos humanos, mesclando temas contemporâneos e emergenciais.   

2. INTER–RELAÇÃO DIREITOS HUMANOS E OS DIREITOS DAS CRIANÇAS

    1. BREVE CONSIDERAÇÕES: DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO

O surgimento dos direitos humanos na sociedade é respaldado na existência de uma relação indivíduo sociedade que historicamente se desenvolveu com o escopo de impor normas e regras para reger uma ordem no convívio social a exemplo temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, conforme a Declaração de Viena: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e inter-relacionados.” (DECLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DE VIENA, 1993, apud MENDONÇA, 2014, p.16). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, configurou-se então como um importante e histórico marco legal, na conquista universal norteando princípios como a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Constituído de duas gerações: Direitos civil e político; Direito econômico, social e cultural.

No Brasil, a temática dos direitos humanos adquiriu elevada significação histórica nas décadas de 1960 e 1970, e nos anos de 1980 a 1990, o debate sobre o tema alcançou mais espaço e relevância. Tendo como marco legal a Constituição Federal Brasileira de 1988 que consagrou o estado democrático de direitos e reconheceu a dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal defende a saúde, segurança e educação como um direito humano, mas especificamente, em seu art. 6º como sendo um direito social, ao qual impulsionou a criação da Lei Federal nº 9.394\1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que defende o exercício da cidadania como uma das finalidades da educação (BRASIL, 1996).

No mesmo ano, houve a promulgação do Programa Nacional de Direitos Humanos (1996), que sofreu revisão em 2002 e 2009, sendo esta última a PNDH-3 a mais abrangente em reunir as políticas sobre os direitos humanos.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), de 2003, compreende a educação como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos. Ele é constituído por 5 eixos: Educação básica; Educação Superior; Educação não formal; Educação para profissionais de Justiça e Segurança; Educação e mídia.

Outro importante documento legal é as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (DNEDH), de 2012, que tem como princípios a dignidade da pessoa humana, igualdade dos direitos, reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades, laicidade do estado, democracia na educação, transversalidade, vivência e globalidade, sustentabilidade socioambiental.

Atualmente, as escolas buscam abordam a temática Educação e Direitos Humanos de acordo com a faixa etária e problemáticas encontradas no espaço social de intervenção, assim as autoras  ZLUHAN e  RAITZ, (2014,  p.34) apontam que:

A escola não pode ser somente considerada transmissora de conteúdos, mas, sobretudo, um local privilegiado de aprendizagens e vivências cidadãs e democráticas, e, quando se fala na defesa, na efetivação e na universalização dos direitos humanos, precisa-se considerar os seres humanos/alunos como seres sociais, inseridos em uma organização social, na qual devem ser asseguradas as condições para que eles se desenvolvam e venham a viver com dignidade e igualdade.

Conforme as autoras, o ambiente escolar não se torna apenas um local de aprendizado sistematizado, na realidade, essa esfera educacional possibilita um recanto de exercício de cidadania e ações democratizantes que desenvolve a consciência da aplicabilidade de direitos e garantias da formação social, respeito e dignidade da pessoa humana.

Ao longo dos anos, os direitos humanos vêm sofrendo alterações e se adequando a realidade local de cada sociedade, no Brasil, as conquistas estão respaldadas na promulgação da Constituição de 1988 que, conforme Carvalho (2013), resultou na melhoria dos direitos políticos, civis e sociais a exemplo da inserção da licença paternidade, criação de sistemas protetores para a educação, saúde, segurança, assistência e previdência social. Entretanto, na atual conjuntura as melhorias estão passando por um retrocesso em detrimento das mazelas sociais que vivenciamos em nosso cotidiano. A ausência de uma educação pública e saúde de qualidade e que dê igualdade de oportunidades, como também, o respeito à dignidade humana, diversidade cultural, religiosa e racial a todos.  

    1. BREVE CONSIDERAÇÕES: DIREITOS DAS CRIANÇAS

Uma breve análise histórica demonstra que nem sempre as crianças tiveram seus direitos assegurados, sua trajetória foi marcada pela exclusão, indiferença, serviços assistencialistas, criação de leis de caráter penal e acesso a uma educação manipuladora e repressora. Não eram reconhecidas e nem considerados sujeitos sociais detentores de direitos. Conforme Barros (2005, p. 74):

Até o final do século XIX […], a criança foi vista como um instrumento de poder e de domínio exclusivo da Igreja. Somente no início do século XX, a medicina, a psiquiatria, o direito e a pedagogia contribuem para a formação de uma nova mentalidade de atendimento à criança, abrindo espaços para uma concepção de reeducação, baseada não somente nas concepções religiosas, mas também científicas.

No Brasil, as crianças passam a serem reconhecidas e consideradas sujeitos de direitos e com o advento da Constituição Federal Brasileira em 1988, e posteriormente com a criação da Lei nº 8.069.90 – Estatuto da Criança e do Adolescente que dispõe dentre outros ordenamentos jurídicos a promoção da dignidade da pessoa humana, conceitualizar as etapas de criança e adolescente, além de prever medidas socioeducativas para níveis infracionais.

O ECA estabeleceu um grande avanço para efetivação os direitos das crianças, responsabilizando as famílias, o estado e a sociedade por zelar pela sua proteção integral baseado nos direitos fundamentais estabelecidos pelos Direitos Humanos: a vida, saúde, educação, convivência, lazer e a liberdade.

A Convenção sobre os Direitos das Crianças é na atualidade o mais amplo tratado internacional de direitos humanos com ações que visam transformações sociais que assegura a proteção integral aos direitos das crianças no âmbito civil, político, social e econômico.

Essas legislações dão base para a construção de uma política de cidadania que possibilita o reconhecimento, atuação e participação da criança através dos princípios da não discriminação e o respeito pelas suas opiniões. Assegurando através da educação básica de qualidade o desenvolvimento da criticidade e imaginação da criança em relação ao mundo a sua volta.

3. “ACOLHER AS DIFERENÇAS” – A LEGITIMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS INFANTIS

A leitura é uma prática que se desenvolve no dia a dia da pessoa que busca conhecimento e experiências exitosas além do lazer e diversão. Desta forma, o processo de leitura amplia-se a base de conhecimento e contribui para o desenvolvimento intelectual, social e ético do ser pensante.

Quando essa base de conhecimento é aplicada desde a educação infantil, principalmente, nos ambientes escolares, esse desenvolvimento tem como premissa incentivar e aperfeiçoar o processo de leitura desde as series iniciais onde a criança não tem o aprendizado da leitura, mas sim o entendimento visual dos contos. Este entendimento visual estimula um importante papel no desenvolvimento intelectual do indivíduo e no seu processo criativo. Partiremos para a possibilidade que ao trabalhar a literatura lúdica brasileira com um viés questionador deixa o educando conectado ao mundo existente onde as descobertas são diárias e os sentimentos de recompensa pessoal e intelectual são fantásticos.

Para Gadotti, (2004, p. 30): “Desenvolver, desde cedo, a capacidade de pensar crítica e autonomamente, desenvolver a capacidade de cada um tomar suas decisões, é papel fundamental da educação para a cidadania”.

Entre as décadas de 1950 a 1980, a literatura infantil passa por diversas transformações e a cada período é marcada pela nova concepção de mundo. Entende-se assim, que a questão referenciada é que as histórias infantis são reflexo da realidade social da sua época, da maneira de pensar e conceber o mundo (COELHO 2000).

Atualmente, as histórias infantis como manifestações artísticas e culturais desempenham um papel importante no reconhecimento dos direitos humanos universais, que estão inter-relacionados aos direitos das crianças: a vida, a liberdade, ao lazer, a educação, a cultura, a saúde, a convivência familiar e comunitária, dentre outros.

As histórias infantis, também, possibilitam trabalhar diferentes temas e assuntos caracterizando-se pela sua transversalidade que é prorrogado nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, garantindo abordar sobre os direitos humanos, a ética, a cidadania, a diversidade, as questões étnico-raciais dentre outros temas sociais nas escolas e nos espaços não-formais de educação.

Nesta perspectiva, as histórias infantis com temas em direitos humanos, contribuem para educar e formar cidadãos que respeitem as singularidades de cada indivíduo, evitando reproduzir o discurso excludente de que somos todos iguais, que de acordo com SENRA et al., (2008), serve para exacerbar o preconceito através da negação da existência das diferenças. O projeto trabalhou na ótica de formação de cidadãos éticos, respeitosos, solidários e que acolham as diferenças ao invés de discriminar as singularidades alheias.

O projeto “Acolher as Diferenças”, surgiu com a proposta de contemplar no espaço educacional temáticas que de cunho legitimador com ênfase nos direitos humanos e sociais em consonância com a literatura infanto-juvenil, evidenciando o porquê educar as crianças nesta perspectiva disseminará o respeito à diversidade e assim promove a cidadania.

Durante o desenvolvimento do projeto, as crianças eram convidadas a “Acolher as Diferenças”, através do gesto simbólico do abraço, que as conduziu para o caminho do reconhecimento umas das outras como sujeito de direitos em suas diferenças, legitimando-os e promovendo a valorização da diversidade como preceito fundante e norteador das ações morais e éticas.

O acolhimento foi trabalhado primeiramente na abordagem dos facilitadores com o grupo, criando um espaço onde elas sentissem seguras para relatar o que Caruso (2003), descreve como sendo os sentimentos, medos, dúvidas, inquietações, curiosidades e emoções. Cada etapa da intervenção foi preparada visando o alcance da transformação social.

Essa transformação social ocorreu com a sensibilização das crianças diante da diversidade humana e a desconstrução de posturas excludentes, foco deste trabalho, que com as histórias infantis e as atividades desenvolvidas possibilitaram o estimulo da criatividade e criticidade quanto as questões étnicas raciais e o respeito à diversidade, legitimando os direitos humanos.

Esse sentimento de incorporação de conhecimento tende a ser apreendido no mundo infantil quando as crianças ouvem, visualizam e interagem com o conteúdo apresentado, e o que vem possibilitar isso é elas sentirem que o ambiente que fazem parte é seguro para expressarem seus sentimentos em relação ao mundo.

Nesta perspectiva, as sequencias abordadas durante todo o processo do projeto foram essenciais e primordiais para uma educação cidadã que venha a contribuir para o processo formativo político das crianças, e adiante, o relato de experiência do projeto “Acolher as diferenças”.

4. METODOLOGIA

Para a efetivação da proposta do projeto interventivo “Acolher as Diferenças” – A legitimação dos direitos humanos através das histórias infantis, a descrição do processo metodológico desenvolvido torna-se imprescindível, assim como a característica sócio econômica da população contemplada. Nesse sentido, a discussão bibliográfica e a pesquisa in loco trazidas, inicialmente, se justifica posto que ambas viabilizam a compreensão dos teóricos que embasaram o desenvolvimento da proposta no nível prático e concreto.

A premissa a realização de encontros quinzenais que envolviam técnicas metodológicas que se direciona as atividades em três frentes engajadoras: O acolhimento no intuito de propiciar um ambiente de reconhecimento das capacidades e potencialidades do grupo; Valorização e respeito a diversidade; Promoção da cidadania visando à formação ética.

O cronograma para a realização das atividades incluiu: reuniões de planejamento, alinhamento, feedbacks; visitas institucionais; intervenções; monitoramento e avaliação; Além, apresentação do relato de experiência no II Seminário de Metodologias participativas: perspectivas e desafios da pesquisa-ação e extensão em comunidades (GESTEC/UNEB).

4.1 ANÁLISE E DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES

As atividades de contação de histórias, roda de conversa, dinâmica de inclusão e oficina de arte foram organizados em encontros quinzenais durante os períodos de setembro a novembro de 2016, com duração máxima de uma hora e meia cada.

Contação de Histórias

A elegibilidade para as escolhas dos livros seguiu dos critérios assim descritos: o primeiro frisa a valorização da literatura brasileira e o segundo que as temáticas abordadas contemplassem o enredo dos contos. Assim, temas como respeito à diversidade, as relações étnicas raciais e o acolher o outro com amor e solidariedade, foram contemplados nos seguintes livros: Meninos de todas as cores – Luísa Ducla Soares; Menina bonita do laço de fita – Ana Maria Machado; Cada um com seu jeito, cada jeito é de um! – Lucimar Rosa Dias.

No momento da contação de histórias, o diferencial foi o uso de fantoche no palito, seguido de leituras dinâmicas e participativas que sensibilizou o grupo e prendeu sua atenção, o que contribuiu para eles adquirirem novos conhecimentos e passarem a ter uma compreensão de mundo.

Roda de Conversa

Na roda de conversa, as três facilitadoras propuseram ganchos de conversas que estimulou a participação das crianças no entendimento da mensagem proferida, além de validar e valorizar os discursos, promovendo um momento de reflexão e descobrimento coletivo de novos conhecimentos. Naquele espaço, não havia resposta certa ou errada tudo que era dito pelas crianças tinha sua importância.

As duas primeiras rodas de conversa ocorridas, no mês de setembro, tiveram como tema o livro “Meninos de todas as cores” onde foi questionado o que o menino do livro descobriu ao final de sua viagem, eles logo responderam que ele podia ser amigo de pessoas de todas as cores. Em seguida, eles começaram a relatar a forma negativa como alguns encaravam a si mesmo e os outros colegas. Os apelidos depreciativos que eram usados para se referir uns aos outros.

As rodas de conversa no mês de outubro abordou o livro “Menina bonita do laço de fita”, as facilitadoras perguntaram como era a menina, o coelho e seus filhotes. E porque cada um saiu de uma cor. Durante as discussões, as crianças respondiam relatando características físicas dos colegas e pensando sobre o assunto, houve crianças que achavam “feio” cabelo crespo e outras queriam ter cabelo cacheado. Mas todos concluíram que a menina e o coelho eram bonitos e que os filhotes mostram nossas diferenças.

No mês de novembro, as rodas de conversa foram finalizadas com o livro “Cada um do seu jeito, cada jeito é de um!” o questionamento foi como era a família da menina da história e como era a família de cada um na roda. Houve os mais diversos relatos que demonstraram a diversidade familiar e um desabafo de uma criança que não aceitava que seu genitor fosse negro para ela todos de sua família deveriam ser brancos.

Em todas as discussões, as facilitadoras intermediavam os diálogos e trazendo pontos dos livros trabalhados para que elas despertassem sua consciência crítica. Quem dizia a moral da história publicitada nos livros eram as crianças, que sempre buscavam expressar dúvidas e inquietações. Para continuidade das ações propostas após as rodas de conversas, dava prosseguimento com as dinâmicas de inclusão com a proposta de desconstruir e reconstruir novas maneiras de pensar e agir socialmente.

Dinâmica de Inclusão

A dinâmica de inclusão teve como objetivo ajudar as crianças a lidarem com os problemas de relacionamento entre elas, com membros de sua família e com outros da comunidade por conta de estereótipos e (ou) preconceitos que foram identificados na roda de conversa. No final de cada dinâmica eles foram convidados a abraçarem uns aos outros “acolhendo as diferenças”.

A dinâmica do mês de setembro foi destinada a responder a indagação “Quem é você? ”, eles formaram duplas e tiveram cinco minutos para se observarem e fazerem essa pergunta várias vezes ao colega até descobrir o máximo sobre ele. No final eles foram convidados a falar uns sobre os outros: aparência, hobby, qualidades, cor preferida dentre outros e o mais interessante foi que eles acabaram descobrindo que é bom ser diferente.

Nos encontros de outubro trabalhou-se a dinâmica “Ligação em comum”, onde se dividiu a turma em grupos que teriam que descobrir quatro características comuns entre seus membros e no final compartilhar com a turma o que descobriram. Eles também foram questionados se era mais fácil encontrar diferenças ou semelhanças, a maioria achou difícil encontrar semelhanças, mas com base na roda de conversa concluíram que independente disso deviam respeitar uns aos outros.

No último encontro, a dinâmica “autorretrato” teve o objetivo de trabalhar o reconhecimento e a valorização das diferenças dentro da própria família. Eles foram convidados a desenhar em um papel A4 a sua família e no término da atividade apresentar a turma seu desenho bem como relatar as características de cada membro familiar. Quando eles apresentavam seus colegas falavam coisas do tipo: “lindo”, “que fofo” e observou-se que isso aumentou a valorização de cada um por sua família, mesmo que esses tivessem características particulares.

Oficina de Arte

A oficina de arte contribuiu para a fixação do conteúdo de forma lúdica com desenhos para colorir, confecção de porta-lápis e confecção de um porta-retratos. Outrossim a liberdade de criação e expressão das crianças promoveu a decodificação por meio dos elementos linguísticos trabalhados através da arte.

No primeiro encontro, eles coloriram o “boneco da diversidade”, a representação da arte que é a diversidade humana. No segundo encontro eles produziram o porta-lápis do “coelho da diversidade” com algodões coloridos e no final da atividade observou-se as diferenças e eles concluíram que todos estavam muito bonitos. No último encontro, eles confeccionaram um porta-retratos e colocaram o desenho de sua família e suas diferenças, mas ainda assim o afeto, o carinho e o respeito foram evidenciados.

Durante a realização das oficinas, elas ouviam um fundo musical com músicas relativas ao tema e ao final de cada encontro elas cantavam e dançavam a música. O elemento decodificador produzido na oficina de arte era envolvido por uma guloseima e o produto final foi levado para suas residências, promovendo assim a apropriação do saber e a disseminação do conhecimento em outros espaços.

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FONTE: Acervo pessoal das técnicas do projeto Acolher as Diferenças.

5. CONCLUSÃO

O relato aqui explanado reflete sobre o trabalho realizado pela equipe interventiva do Projeto “Acolher as Diferenças” – A legitimação dos direitos humanos através das histórias infantis, em torno da defesa dos direitos humanos e da cidadania em um espaço educacional, tendo a literatura como instrumento de formação em Direitos Humanos.

Embora ainda seja um desafio discutir Direitos Humanos no Brasil e falar em Direitos das Crianças seja polêmico, são assuntos que precisam estar constantemente em pauta, para não haver retrocessos nas garantias já estabelecidas. Os discursos que versam esses temas precisam estar aliados a metodologias participativas para o alcance da cidadania plena.

As metas estabelecidas para o Projeto Interventivo foram: Disseminar com pelo menos 85% das crianças, o respeito à diversidade e cidadania, promovendo a troca e aproximação de saberes através das atividades socioeducativas; Realizar oficinas mensalmente com 85% das crianças; Alcançar um índice de satisfação de 90% entre os beneficiários do projeto.

Para analisar o alcance das metas, foram aplicados questionários com as professoras da turma abordando questões acerca do projeto. Dessa forma, pretendeu-se avaliar as atividades desenvolvidas durante os meses. Em resposta o projeto atingiu um nível satisfatório conforme apontaram os docentes, relatando que: “Estão lidando melhor com situações de conflito e cantam as músicas discutidas durante as rodas de conversa”, docente da Fundação Ana Lima.

Notou-se a importância das histórias infantis e das atividades lúdicas para que as crianças compreendam o mundo a sua volta, absorvam o aprendizado na temática proposta e a participação dos sujeitos durante todo o processo.

Enfim, conclui-se que a educação em direitos humanos promove o desenvolvimento do indivíduo e que o relato buscou contemplar importantes considerações através de atividades lúdicas, promovendo o reconhecimento da diversidade humana, o respeito as diferenças, a solidariedade e a autonomia do sujeito de direitos.

NOTAS

[1] Filosofa, Aluna Especial Doutorado em Educação e Contemporaneidade- UNEB, Mestre em Arqueologia, Pré-histórica e Arte Rupestre, Especialista em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão  em Educação, Especialista em Implementação e Gestão dos Sistemas de Segurança e Higiene do Trabalho, Docente das Faculdade Montessoriano de Salvador e Faculdade Campos Elíseos- FCE- Polo Salvador. E-mail: bahiaizabela@gmail.com

[2] Assistente Social do Núcleo Interdisciplinar de Práticas Profissionais, Especialista em Projetos Sociais e especializanda em Seguridade Social. E-mail: kelly.oj@hotmail.com

[3] Assistente Social do Núcleo Interdisciplinar de Práticas Profissionais, Aluna Especial do Mestrado em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação, Especialista em Serviço Social na Saúde, Projetos Sociais e especializanda em Educação, Direitos Humanos e Sociais pela UFBA.  E-mail: renatacardoso.silva@hotmail.com

 

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